A vida pode ser contraditória. A todo momento te induz a seguir ciclos. Um ciclo tem começo e fim: uns se abrem, outros se fecham; para que uns se iniciem, outros precisam ser encerrados... simples assim. Simples talvez, fácil nem tanto.
A natureza humana tem se mostrado bastante adaptativa ao meio, seja com relação ao clima e à geografia, seja referente à sentimentos, emoções e relações pessoais.
Ao contrário das evoluções físicas e fisiológicas, para as quais a biologia oferece respaldo, as adaptações afetivas e relacionais carecem de ponderações mais qualitativas e até subjetivas, para que sejam melhor compreendidos alguns sentimentos e comportamentos humanos.
Mesmo que não seja novidade que a vida é composta por ciclos, ainda não se tem consenso sobre teorias que traduzam o sentimento humano, bem como suas origens, quando enfrentam o fim de um ciclo. Na trajetória da vida humana, certamente seremos expostos a muitos, uns que se abrirão, e outros que precisaremos encerrar.
Alguns destes ciclos foram tratados nos textos FILHOS: A SOMA DAS PARTES É MAIOR QUE O TODO, especialmente sobre as relações que se criam e recriam na família com a chegada do bebê. Busquemos então outros mais.
Desde recém-nascido, o ser humano é confrontado com ciclos. Alguns dos mais precoces parecem ser aqueles que ligam mãe e filho, especialmente pela amamentação. O bebê em tenra idade precisa aprender a lidar com a ausência da mãe, mesmo que por breves períodos, gerando um provável turbilhão imaginário, uma verdadeira confusão de sentimentos, entre os momentos em que a mãe está presente e aqueles em que não está presente.
Pouco tempo depois, já na primeira infância, a criança começa a ser exposta a tomadas de decisão: desde o que comer, o que vestir, o que fazer… tudo pode ser encarado como ciclos que se encerram e outros que se abrem, especialmente relacionados a independência que se principia diante dos pais. Mesmo que pareça simples, o ato de confrontar a mãe e interpor, por exemplo, a escolha da roupa a ser usada, faz com que a criança encerre o ciclo da obediência plena e inicie outro de “enfrentamento” e de negociação com os pais.
A fase da adolescência parece ser um celeiro de ciclos e, também por isso, trata-se de uma fase turbulenta no desenvolvimento humano. Convívios na escola, necessidade de aceitação nos grupos sociais e até o início da puberdade oferecem aos adolescentes, a todo momento, mostras claras de início, vivência e términos de etapas: por ser a melhor amiga de Maria A, não se pode ser a melhor amiga de Maria B; para se mostrar independente aos colegas, é preciso renunciar à proteção aconchegante dos pais. Cada escolha, cada perda, cada frustração e cada conquista, mesmo que sutilmente, perpassam pela interação com os ciclos e podem definir a capacidade de enfretamento para situações futuras.
Na medida em que a idade aumenta, os ciclos parecem ganhar em complexidade. A opção por se casar pode ser um marco importante neste contexto, por materializar o início de uma nova e diferente etapa: a vida e o convívio conjugal. Nesta fase, muito pode ser aprendido com relação a ceder, a conceder, a abrir mão… estes aprendizados podem ser também importantes instrumentos para lidar com constantes mudanças na vida.
Ainda, não são raras as circunstâncias em que somos impelidos a encerrar ciclos repentinamente, por alguma intempérie ao longo da vida. Nestes casos, chega-se a vivenciar luto, mesmo que não haja morte. Mudanças de vida e do ritmo de vida podem ter causas como problemas de saúde ou questões financeiras. O que parece ser recorrente é que tais surpresas indesejadas dão novo norte a vida do indivíduo e dos que o cercam, gerando um repensar e, muitas vezes, um recomeçar diante dos ciclos que vinham sendo vivenciados. Pode ser um verdadeiro reinício do viver, mas sob um contexto totalmente diferente, uma nova perspectiva, um novo ciclo.
Enfim, a trajetória humana é realmente regida por ciclos: uns que se abrem, outros que se encerram. Isto posto, volte-se ao ponto da contradição: se a vida é feita por encerrar ciclos, porque alguns trazem tanto sofrimento, notadamente, a morte física? O destaque ao adjetivo física deve-se por não ser objetivo aqui tratar do pós morte, nem sob teorias científicas e nem religiosas.
Quando se fala da morte humana, não é difícil que se encontrem, em outras épocas ou em outras culturas, rituais de luto bastante diferentes dos que comumente presenciamos na sociedade brasileira atual. Pode não ser raro que comemorações, festas e alegrias acompanhem alguns cenários fúnebres. Tais considerações se fazem importantes para contemporizar sentimentos, à luz da realidade cultural e das convicções das gerações atuais.
No entanto, sentimentos de tristeza parecem imperar nos contextos de morte da sociedade de hoje. De onde pode vir a tristeza ligada a morte, se a morte é uma certeza comum a todos os homens? Algumas hipóteses podem oferecer um exercício ou até ensaios de respostas.
Como um processo natural, que tem início, meio e fim, parece justo que se revolte quando a morte parece ser precoce. A própria avaliação de quão precoce pode ter sido é subjetiva e seriam infrutíferos os raciocínios que buscassem fórmula para esta equação. O mais prudente talvez seja, por incapacidade racional, que se discorra sobre momentos menos disruptivos, ou que se aproximem mais do conceito de “natural”.
A tristeza ligada a morte pode vir do fato de não se ter mais acesso ou contato, não se poder mais tocar ou se fazer ouvir. Nestes casos, a morte física é a evidência fria e dura de que uma relação realmente se perdeu, mesmo que ela não tivesse sido regozijada adequadamente enquanto possível. Mesma que a perda já tenha acontecido na prática antes da morte, este momento pode materializar a dor da tristeza, possivelmente regada a doses de remorso.
A tristeza ligada a morte pode vir da frustração de expectativas geradas ao longo da vida. Parece natural que o ser humano seja regido também por expectativas. Neste sentido, a morte física pode findar todas elas que, mesmo que possíveis, vinham sendo postergadas até então e não puderam ser satisfeitas.
A tristeza pode ainda vir do fato de não poder mais se reparar um erro cometido, uma injustiça causada ou um exagero permitido. Pode não ser raro que os sentimentos beirem ao remorso, interpelando o período de luto e potencializando a tristeza. Pode ser ainda que a tristeza, nestes casos, demore mais a se transformar em saudade.
A tristeza pode vir do sentimento de desamparo que se instaura diante de algumas situações de luto. Por mais que a vida toda tenha sido uma lição de como se enfrentar o fim de ciclos, o sentimento inicial pode remeter a uma fragilidade irreal, a uma incapacidade momentânea de reação.
Muito se pode hipotetizar ainda, mas o intuito não seria fechar o pensamento ou dirimir o sentimento como que por mágica. Posto novamente que a vida é feita por ciclos e a morte é um ciclo inevitável, parecem razoáveis tentativas de conviver com o luto com a menor tristeza possível. Ainda, se é natural que se tenha começo, meio e fim, e que a morte não é uma opção, parece exercício válido e saudável fazer com que a vida não esteja focada na morte.
Não seria possível e nem pretendido mudar os sentimentos e atitudes diante do luto pela perda e nem concluir ou induzir para sugestões genéricas ou fantasiosas. No entanto, pode ser prudente crer que a morte não mereça mais atenção e energia dedicada do que a vida, pois o segredo pode estar no meio, e não no fim! Saudade sim, tristeza não.