FILHOS: a soma das partes é maior que o todo I

Pulemos as citações de que a decisão de ter filhos precisa ser muito bem pensada, analisada, revisada e, principalmente compartilhada. Esta é uma afirmação extremamente válida e é aqui reforçada, mas a pretensão vai além: é tentar traduzir alguns sentimentos e pensamentos que vão e vem, na medida em que a realidade se apresenta em cada momento desta grande mudança na vida do indivíduo e do casal.
Seguimos, como seres sociais que somos, as convenções da maioria. Deste modo, a trajetória mais esperada para a vida de um brasileiro, nada contra os que não a seguem, tem script definido: nascer, crescer, namorar, se casar (nos últimos anos, estas duas etapas estão cada vez mais próximas uma da outra), constituir família, ter filhos e ficar à espera de netos. Claro que a vida é bem mais complexa e bela, sendo este simplismo apenas para lançar foco nas cobranças sociais, que poderão influenciar nas tomadas de decisão na vida de cada um. Partindo-se do princípio cruel e irrefutável da existência de diversos preconceitos, quanto mais distante deste roteiro o ser social estiver, mais hábil deverá ser para se integrar satisfatoriamente aos grupos sociais.
Por assim dizer, as cobranças a que estamos sujeitos e as expectativas acerca de nós mesmos podem ser previsíveis ao longo de nossa vida. A cada etapa concluída, naturalmente, surge uma nova conquista esperada, como na sequência de perguntas: está namorando? Quando vão se casar? Pra quando é o bebê??? Quando a resposta para esta última for: já estamos tentando! – dá-se início a um novo ciclo, repleto de sentimentos e pensamentos intensos e inéditos.
Muitas teorias discorrem sobre a gravidez e sobre como se chegar a uma gravidez: período fértil, remédios contraceptivos, suplementos alimentares, pressão psicológica e, até posições sexuais mais propícias para a fecundação. Certamente há o que se aproveitar na maioria delas, mas estão longe de cravar uma receita certa e infalível, a não ser a constatação de que: só ganha na loteria, quem joga…
Quando faz a opção por ter filhos, cada casal parece estabelecer um período em que terão paciência e aguardarão naturalmente pelo resultado positivo. Um mês ou dois, um ano ou dois ou dez. Há casais que tentam por anos, enquanto outros terão apenas nove meses após esta decisão para todos os preparativos antes da chegada do bebê. Este período tende a ter um início tranquilo e normal, podendo ser estressante e frustrante com o passar do tempo e pode sofrer ainda interferências de algumas variáveis externas.
Durante esse tempo de espera, uma nova rotina mensal parece reger o relacionamento do casal: quando ter relações?  Como ter relações? E até: com que frequência devem ser as relações? Não é raro o calendário do casal passar a ter vinte e oito dias, tendo seu ápice no dia fértil da mulher, e terminando no início da menstruação, junto com as esperanças daquele mês.
Situações normais passam a ser desoladoras, como o olhar da esposa no banheiro, quando mensalmente percebe o final de um sonho devido ao início de um ciclo. Para o esposo presente e cúmplice, talvez este seja o momento de mostrar a que veio, transmitindo naturalidade e tranquilidade com o fato. Quando consegue, cumpre seu papel e segura as pontas. O desafio será segurá-las na recorrência, quando for ainda mais difícil ser seu próprio porto seguro.
Surge ainda um outro desafio para o casal, talvez mais áspero: não deixar que as relações sexuais, e até que a procura por elas passem a ser artificiais, simplesmente para cumprir tabela. Por mais extremista que possa soar, este pensamento parece perambular pelo imaginário dos parceiros, que passam a vigiar seus corpos e seus desejos, para que outro objetivo também possa ser atingido. Este é um ponto que pode trazer intempéries conjugais. Quando causa e consequência se apresentam em ordem invertida, os sentimentos do casal podem ser confundidos, ficando reféns de um objetivo direto e deixando em segundo plano ingredientes essenciais para que este mesmo objetivo seja alcançado, como carinho, amor e desejo.
Alguns assuntos e temas começam a figurar mais ativamente nas conversas conjugais. Sempre é reconfortante compartilhar a história ouvida no trabalho, de que um casal tentou por vários meses engravidar até que conseguiu. E foi feliz para sempre. Os números e datas de cada história ouvida parecem estar em sintonia com nossa própria realidade. Parte deve ser mera coincidência. Parte é o esforço que fazemos na busca de um alento, que poderá oferecer um alívio, uma identificação satisfatória, mesmo que por algum tempo.
MUITO AJUDA QUEM POUCO ATRAPALHA
Quando desejada, a gravidez passa a ser esperada e acompanhada por amigos e pelas famílias. Neste contexto, mesmo sem a menor intenção, as pessoas mais queridas podem fomentar um ambiente de muita ansiedade, insegurança e até frustrações.
Responder a perguntas como – E aí, quando vem o bebê? – sempre foi tarefa fácil e até esperada para casais com algum tempo de casamento. Alguns eventos até são citados a princípio, como pré-requisitos: comprar uma casa, trocar de carro, terminar a faculdade, conseguir uma promoção. Provavelmente, respostas assim já tenham sido dadas, principalmente para aqueles amigos ou parentes com quem se tem pouco contato. E sempre surgem sugestões e dicas infalíveis: mandingas, garrafadas, simpatias etc.
A coisa muda de figura quando a gravidez passa a ser prioridade e já se está a sua espera por algum tempo.  As reações a questionamento e sugestões sobre a gravidez passam a ser diferentes, como se tivessem um tempero de falta de paciência. Mesmo que pareça injustiça, fica cada vez mais difícil manter o bom humor e o repertório de respostas para as mesmas perguntas. Pode ser a primeira vez que aquela pessoa toca no assunto com você, mas com certeza você já respondeu a mesma pergunta a algum pouco tempo atrás.
Com o passar dos meses, fatores antes avaliados como despreocupantes podem merecer reavaliação. A idade dos parceiros, como não pode ser revertida, passa a ser um limitador. Geralmente a tomada de decisão para a gravidez leva em consideração este ponto, que pode vir a ser um catalisador do cenário, tornando-o mais brando ou mais arrojado.
A decisão por buscar ajuda especializada poderá ser mais acertada quando nasce de diálogos francos e sensatos, em que são analisados históricos, possibilidades reais e perspectivas. A decepção ao se descobrir alguma impossibilidade fértil poderá ser menos dolorosa quando houver conhecimento, maturidade e cumplicidade entre o casal. Os avanços tecnológicos dos tempos atuais permitem um diagnóstico fiel para a grande maioria dos casos de infertilidade e tratamento corretivo para porção significativa deles. Conhecer claramente o cenário atual, quais as possibilidades e perspectivas reais, podem diminuir a pressão e a cobrança.
Mesmo não havendo unanimidade ou receita infalível, um casal consciente, uma decisão compartilhada e esposo e esposa tranquilos parece ser um caminho mais curto para o crescimento da família. A ansiedade do casal, as cobranças sociais e a expectativa das famílias parecem ter relação inversamente proporcional ao contexto ideal para o anúncio da gravidez. Não são raros casos em que a gravidez aconteceu após início de algum tratamento ou até após a consolidação da ideia de adoção, para casos em que as perspectivas fisiológicas não eram também promissoras.

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