FILHOS: a soma das partes é maior que o todo II

Deixando de lado causas, razões e circunstâncias, o fato é: deu positivo… Enfim, grávidoS! O destaque no plural não é apenas para reforçar a necessidade de cumplicidade do casal, o que já acontece naturalmente em qualquer roda social que aborde o tema, mas para lançar mão de várias esferas a serem exploradas dentro desta nova realidade.
O frente a frente com o resultado positivo desencadeia reações em quem o lê, trazendo a realidade à tona e transformando os instantes seguintes sob um intenso vivenciar de emoções: da alegria e alívio ao medo e euforia, tudo parece acontecer em um universo paralelo e em outra atmosfera de tempo e espaço. Talvez uma das situações que melhor traduza “milhares de coisas se passaram na cabeça em apenas um segundo”. É sabido que tais reações são individuais e, em função disso, seria impossível generalizá-las ou criar padrões para elas. No entanto, o choro, tremor na fala, silêncio, ansiedade e batimentos cardíacos acelerados são comumente observados, sugerindo semelhanças nas emoções vividas por quem é afrontado por esta novidade.
Mantendo-se o foco nos casos em que esta notícia era esperada e desejada, divulgar a informação pode se tornar uma obrigação, assim que a erupção de emoções devolver lugar ao raciocínio lógico. Seria então fácil deduzir que, com o advento maciço do telefone celular, a procura por este aparelho seria imediata. O que pode não ser tão fácil é responder porque esta necessidade acomete a maioria. Compartilhar a alegria ou prestar conta aos familiares? Verbalizar um alívio ou buscar recompensas ao ego? Confronto de realidade ou autoafirmação social? Mais do que respostas, tais perguntas buscam um entendimento do próprio sentimento, muitas vezes conciliando o regozijo pelo dever cumprido em meio à incerteza do que vai ser.
Não seria possível, e nem é o objetivo, prescrever receita sobre como lidar com o que está acontecendo e com o que está prestes a começar a acontecer… e para o resto da vida. Porém, como o resto da vida é um tempo indefinido, pode-se partir do fato de que alguma coisa, necessariamente, vai mudar. Por mais que não haja até aqui nenhuma novidade em conceitos, falar pode ser mais fácil do que fazer, do que vivenciar. Não é raro a ansiedade promover ações atropeladas, e até precipitadas, como escolher nomes, pensar em padrinhos, definir critérios para a criação e educação da cria. Os planos e planejamentos relutam ainda em pairar sob a sombra de muitas dúvidas, incertezas e até de dados frios e informações estatísticas. Como o tempo passa a ser contado por semanas, o primeiro desafio pode ser conter-se durante as doze primeiras, período em que os diagnósticos de sucesso na gestação aumentam significativamente. Se antes o calendário do casal tinha vinte e oito dias, agora passa a ser regido por apenas sete, a cada quais se completa mais uma unidade conquistada, diante das quase quarenta e duas que passam a ser objetivo.
Os sentimentos vão e vem com uma frequência e variação muito maiores do que antes. É como se o mundo estivesse com um pano de fundo inédito, ou talvez um que estivesse sempre lá, mas nunca observado com riqueza nos detalhes. A elucidação da realidade propriamente dita parece estar diretamente proporcional a estabilização e ordenação dos sentimentos. Ao que tudo indica, unindo-se teoria e prática, parece ser a materialização da maturidade, como se uma capacidade em lidar com o que está acontecendo fosse sendo percebida e reconhecida. No entanto, verdadeiras crises existenciais e muitas reviravoltas no pensamento podem ser recorrentes, como se testassem e validassem a solidez desta tal maturidade. É talvez um preço válido pelo exercício da angústia e até da agonia, que poderiam trazer prejuízo maior se aparecessem futuramente do nada e em uma realidade menos propícia a instabilidades.
Maturidade e serenidade parecem indissociáveis por agora, pois ações e reações do casal podem se confundir e não serem raros pequenos desentendimentos. Excesso de protecionismo dele, sensibilidade a flor da pele dela e atenção exagerada das famílias podem agir como fagulhas em meio a um palheiro. Como catalisador, ainda existe um provável destempero de emoções em ambos, ora retraído ou contido, mas certamente latente e pulsante. Diante disto, certamente a busca e a atribuição de responsabilidades tenderiam a protelar a harmonia, pois seria uma tentativa de culpar sem haver culpados, nessa troca de percepções nem sempre totalmente lúcidas.
Situações antes normalmente vivenciadas podem ter desdobramentos intensos e consequências prolongadas. Muitas teorias buscam explicações, que vão da fé aos hormônios e passam pelos dogmas sociais, para alterações no comportamento e nas percepções de comportamento entre os cônjuges. Fato irrefutável parece ser o surgimento de um esboço de novos papéis sociais. Não seria radical, por mais que possa parecer, pensar que não há mais a esposa mulher, e sim a mãe, e que não há mais o marido, e sim o progenitor. Blindar as relações conjugais, das sociais às mais íntimas, pode requerer mais energias do que ceder e se moldar, pacientemente, ao novo arquétipo que se inicia. Analisar estas entrelinhas, desvencilhar-se de objetivos egoístas e se predispor para o novo são habilidades a serem demandas no dia a dia, como se preparando uma dupla societária para receber um terceiro e majoritário acionista.
São novos personagens familiares que despontam e deverão batalhar coexistência, por mais turbulento que possa ser o amadurecimento e todo esse desenrolar até a estabilidade. Até aqui, na gestação, tal processo parece ter início e construir alicerces sobre os quais uma nova estrutura deverá ser edificada e precisará ser evoluída. Como se assistindo a um longa-metragem de final já conhecido, mas em que não é possível pular nenhuma das cenas.
Uma das ousadias, dada a intensidade da questão, seria diferenciar e propor papéis entre homem e mulher. Qualquer sugestão de comportamento esperado poderia ser encarada como preconceituosa, chegando ao paradoxo de poder ser machista e feminista ao mesmo tempo. É o fascínio das possibilidades e dos pontos de vista. Assim dito, talvez o mais assertivo seja resumir e dar espaço a interpretações variadas e independentes: a mulher espera ser protegida e o homem deseja ser cuidado.
Vale retomar foco na necessidade de cumplicidade do casal. Todas as experiências no período de gestação, apesar de fazerem parte de um aprendizado provavelmente essencial, podem oferecer obstáculos e situações de difícil assimilação. Mesmo partindo-se da inexistência de verdades absolutas, a importância da unidade do casal pode ser matematicamente constatada: se é sólida os problemas se dividem, mas se não é, podem se multiplicar de forma exponencial.

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